Resolução do CNMP regulamenta Lei Complementar 75/1993 e estabelece procedimentos investigatórios de controle externo da atividade policial.

A Procuradoria Geral da República apresentou parecer pelo não conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4.220) proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Supremo Tribunal Federal (STF). A ação discute o poder de investigação do Ministério Público (MP) e o controle externo da atividade policial exercido pelos órgãos ministeriais, regulamentados pela Resolução nº 20/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

A norma impugnada regulamenta a Lei Complementar 75/1993 no que se refere à fiscalização da polícia pelo MP e define os procedimentos investigatórios para exercer a função legal. A OAB alega que a resolução do CNMP extrapolou a competência regulamentar, assim como legislou sobre matéria reservada à lei complementar. Para a requerente, a regra viola os limites constitucionais da atuação do MP.

O parecer, assinado pelo procurador-geral da República (PGR), Roberto Gurgel, e pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, sustenta que a ação não reúne condições processuais para ser conhecida. Sobre o mérito da causa, o Ministério Público Federal (MPF) opina pela procedência parcial do pedido, em relação à inconstitucionalidade da fiscalização específica da polícia legislativa.

Impossibilidade jurídica do pedido – Para o MPF, o pedido não merece ser sequer conhecido, pois a resolução impugnada tem caráter infralegal. De acordo com a Constituição Federal (CF), é função institucional do MP “exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar” (art. 129, VII). ALei Complementar 75/1993 cumpre o dispositivo constitucional e detalha as medidas judiciais e extrajudiciais disponíveis para o MP exercer a fiscalização (arts. 3º, 9º, 10, 38, IV). A Resolução nº 20/2007 apenas regulamenta a Lei Complementar 75/1993, conforme relatado no parecer.

“A firme orientação do Supremo Tribunal Federal é de que a ação direta de inconstitucionalidade não presta ao exame de norma de caráter secundário, que possa implicar, eventualmente, ofensa indireta ou reflexa à Constituição da República”, constata a peça processual. Nesse contexto, o MPF entende que “caberia ao requerente impugnar todo o complexo normativo que envolve o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, a englobar os dispositivos legais”.

Competência regulamentar do CNMP – Na visão do MPF, a CF determina que cabe ao CNMP “o controle da atuação administrativa e financeira do MP e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, podendo expedir, no âmbito dessa competência, atos regulamentares (art. 130-A, §2º, I)”. De acordo com a peça processual, “as normas contidas na referida resolução limitam-se a disciplinar as atividades inerentes ao exercício do controle externo, sem as quais faltarão ao MP instrumentos para a realização da missão que a Constituição lhe incumbiu”.

O parecer recorda, ainda, que a competência regulamentar do conselho já foi reconhecida pelo STF, ao se pronunciar sobre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de natureza equiparada ao CNMP. “A constitucionalidade, tanto do órgão, quanto das atribuições que lhe foram conferidas, pode ser afirmada a partir do que se decidiu na ADI 3.367”, lembra.

Constitucionalidade do poder de investigação – No mérito da causa, o MPF assegura que constitui função institucional realizar diretamente investigações criminais preliminares. O parecer fundamenta, principalmente, com base em dois pressupostos.

O primeiro argumento destaca que o inquérito policial não é o único instrumento em que se formaliza a investigação criminal, tampouco há previsão constitucional de monopólio da investigação pela polícia. Conforme assinala a peça processual, a comissão parlamentar de inquérito (CPI) é um exemplo de investigação por outra instituição que não seja a polícia. Além disso, o parecer realça que o inquérito policial não é obrigatório. “A instauração de inquérito policial não é imprescindível à propositura da ação penal pública, podendo o Ministério Público valer-se de outros elementos de prova para formar sua convicção”, cita precedente do STF.

“Se é possível ao MP iniciar a ação penal sem o inquérito policial, valendo-se de outros elementos de convicção, é legítima a colheita destes por outros instrumentos e outros órgãos que não o inquérito e a Polícia. Diferente fosse, de onde surgiriam esses outros elementos de convicção?”, analisa o MPF.

A segunda questão abordada pelo parecer diz respeito à interpretação da atribuição constitucional do Ministério Público de “expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva”. Segundo o MPF, “a investigação criminal levada a cabo pelo MP formaliza-se em procedimento administrativo e conta com previsão na LC 75/1993”.

O MPF argumenta, ainda, que não só há o direito de investigar, mas, acima de tudo, existe uma obrigação institucional. É imperativa a atuação do Estado na proteção dos direitos fundamentais, no entendimento do parecer. “O dever de investigar é consequência lógica do dever de proteção”, garante o documento. O MPF conclui que “a efetivação dos direitos humanos exige uma atuação positiva do Estado de investigar pronta, completa e imparcialmente os fatos que atentem contra as liberdades individuais”.

A matéria ainda se encontra em análise no plenário do STF. Porém, o MPF evidencia que já há julgados precedentes e posições formadas a favor do poder de investigação, como a do ministro Joaquim Barbosa: “o que autoriza o Ministério Público a investigar não é a natureza do ato punitivo que pode resultar em investigação (sanção administrativa, cível ou penal), mas, sim, o fato a ser apurado, incidente sobre bens jurídicos cuja proteção a Constituição explicitamente confiou ao Ministério Público”.

Fiscalização da polícia legislativa – Por fim, oparecer concorda que não compete ao Ministério Público o controle externo da atividade da polícia do Poder Legislativo: “O pedido é procedente nesse específico ponto”.

Na opinião do MPF, a polícia legislativa “é uma figura que se aproxima conceitualmente da polícia administrativa”. O parecer explica que o Poder Legislativo é a casa do povo, por onde milhares de pessoas e grupos de pressão circulam. “A polícia legislativa encontra sentido nesse contexto: de assegurar a ordem e a segurança das casas legislativas”, esclarece. Assim, a polícia legislativa não possui atribuições de polícia judiciária, que apura infrações penais. Portanto, a peça processual conclui que não cabe ao MP fiscalizar as funções do cargo legislativo, mas compete aos órgãos ministeriais o controle externo apenas da atividade da polícia judiciária.

Fonte: PGR