A seis meses da conclusão do mandato do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a sucessão ao cargo mais importante do Ministério Público já movimenta a carreira. Quatro pré-candidatos despontam na corrida para integrar uma lista tríplice que será encaminhada à presidente Dilma Rousseff: os subprocuradores-gerais da República Deborah Duprat, Raquel Dodge, Rodrigo Janot e Sandra Cureau.

 

As candidaturas serão lançadas em abril. No dia 6 de maio, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) abre uma consulta à classe. Mais de mil procuradores participam da votação em todas as unidades do Ministério Público Federal (MPF).

 

Pela tradição seguida desde o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o nome mais votado pela categoria, primeiro da lista, é escolhido como procurador-geral para um mandato de dois anos. Nem sempre foi assim, e não há uma regra escrita. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reconduziu Geraldo Brindeiro por três vezes consecutivas, sem respaldo da categoria.

 

Agora há um receio entre procuradores de que, com o resultado do mensalão, setores petistas pressionem o Palácio do Planalto por uma retaliação ao MPF e a Gurgel. O temor é de que, nesse contexto, a presidente Dilma Rousseff quebre a tradição para optar por qualquer dos três integrantes da lista, ou mesmo um nome alternativo.

 

Se a presidente se valer da lista, uma mulher poderia chefiar a Procuradoria-Geral da República (PGR) pela primeira vez. A expectativa é que duas candidatas entrem na lista. A eleição também marcará a continuidade ou o fim de uma era de poder do chamado grupo dos tuiuiús, do qual vieram os três procuradores que comandaram o MP nos últimos dez anos. Janot, único homem na disputa, é integrante original do grupo.

 

O tuiuiú é uma ave típica do Pantanal, que voa baixo e parece tropeçar nas próprias pernas. Era assim que se sentia uma turma de procuradores que, nos anos 90, se reunia às sextas-feiras para falar amenidades e criticar a gestão de Brindeiro – cuja inércia diante dos fatos mais escandalosos lhe valeu o apelido de engavetador-geral da República. Os tuiuiús lançavam insistentemente a candidatura de Antonio Fernando de Souza, sem sucesso.

 

No governo Lula o grupo finalmente chegou ao topo do MP, com uma proposta combativa de atuação e tendência em geral esquerdista. Muitos haviam participado da formulação, durante a Constituinte, do modelo atual de um MP marcado sobretudo pela independência. Em 2003, Lula nomeou Cláudio Fonteles como procurador-geral. Os tuiuiús se mantinham coesos em torno de um projeto de poder pelo qual seus principais integrantes chegariam ao cargo. O pré-requisito era que cada um cumprisse apenas um mandato. Depois de Fonteles viriam Antonio Fernando, Wagner Gonçalves e Roberto Gurgel. Rodrigo Janot seria agora o próximo da lista.

 

Fonteles manteve o pacto e rejeitou a recondução. Mas Antonio Fernando entrou no segundo mandato, provocando uma ruptura interna. A atitude foi repetida por Gurgel. Gonçalves acabou se aposentando sem nunca chegar ao posto máximo da carreira.

 

A atuação firme de Gurgel no mensalão representou uma espécie de redenção entre seus pares, que, diante dos ataques em série, se uniram em defesa da classe. Mas na sucessão, seu apoio é interpretado como um tiro no pé, por causa das restrições no governo.

 

Apesar da glória do mensalão, Gurgel teve a atuação criticada internamente em momentos-chave, como na demora para abrir investigação contra o ex-senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) pelos fatos envolvendo sua ligação com o empresário Carlinhos Cachoeira. Antigos aliados não se conformaram com o parecer contrário à revisão da Lei de Anistia – a reforma abriria espaço para punir agentes públicos que cometeram crimes durante a ditadura.

 

As principais reclamações, porém, são a falta de diálogo com subprocuradores e de liderança em questões salariais, repetida principalmente pelos que atuam nas instâncias inferiores. Foram nas nomeações a postos-chave do Ministério Público que Gurgel soube fazer política e compor com correntes internas.

 

Os candidatos à sucessão devem apresentar um discurso semelhante de defesa da instituição, num momento em que o poder do MP de fazer investigações criminais está em xeque no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas os nomes anunciados diferem pelo estilo de atuação.

 

Deborah Duprat chamou a atenção numa meteórica atuação como procuradora-geral interina em 2009. Em 22 dias, desengavetou ações que permitiram a união civil entre homossexuais, o aborto de anencéfalos e a realização da Marcha da Maconha. Atua como vice de Gurgel, mas não costuma dividir com ele a gestão administrativa da instituição.

 

Raquel Dodge é coordenadora da câmara criminal da PGR. Mestre pela Universidade de Harvard, é definida por colegas como ambiciosa e trabalhadora. Foi responsável pela denúncia contra 38 pessoas na Operação Caixa de Pandora, que levou à prisão o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda. Tem forte atuação contra o trabalho escravo.

 

Rodrigo Janot traz no currículo diversas atividades institucionais. Foi secretário-geral do MPF na gestão de Fonteles, diretor da Escola Superior do MP da União e coordenou as áreas de meio ambiente e consumidor. Presidiu a ANPR e foi secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça. Ficou em segundo na lista para a PGR em 2011.

 

Sandra Cureau atua como vice-procuradora-geral eleitoral, responsável pela atuação do MP nas eleições. Foi diretora-geral da Escola Superior do MP e coordenadora das áreas de meio ambiente e patrimônio cultural, com atuação também em defesa de minorias. Fez representações contra Lula e Dilma por propaganda eleitoral antecipada.

 

Fonte: Valor Econômico, via Conamp