Marcus Vinícius Amorim de Oliveira
Promotor de Justiça, Professor da FANOR
e Doutorando em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra
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O Ministério Público do Ceará acaba de lançar uma nota técnica em que questiona a implantação da audiência de custódia, um projeto encabeçado pelo CNJ e cogitado pelo TJCE nestas terras, já tão carentes de estrutura de funcionamento de seu sistema de justiça criminal. A audiência de custódia consiste na realização de um ato em que o preso em flagrante delito deve ser apresentado a um juiz no prazo de 24 horas, a fim de que o magistrado decida sobre a legalidade da prisão, seguindo-se a decretação da prisão preventiva ou a soltura do flagranteado. Atualmente, essa decisão é tomada à vista do auto de prisão em flagrante, sem a presença física do preso.
Não há dúvida de que a audiência é uma ideia elogiável, pois maximiza direitos fundamentais e contribui para coibir a prática de abusos como a tortura. Entretanto, não há lei processual que cuide disso. O Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, estipula o direito do preso de ser apresentado “sem demora” a um juiz. Mas o que pode ser considerado sem demora num Estado onde há poucos policiais para cumprir até mesmo sua função básica, que é investigar crimes, faltam-lhe viaturas para conduzir presos e o suporte de segurança nos fóruns é precária? Exigir que o preso esteja diante de um juiz em até 24 horas, com as condições materiais e logísticas atuais em que policiais, magistrados e Promotores de Justiça cearenses tem que lidar com os casos de prisão em flagrante, e num cenário de intensa criminalidade de rua como a nossa, chega a ser uma temeridade. Sendo um direito, eventual descumprimento de prazo tão exíguo só pode ter uma consequência: o relaxamento da prisão e a liberação do preso. Logo, não seria absurdo imaginar delinquentes perigosos sendo soltos porque não haverá viatura e policiais disponíveis para escoltá-los da delegacia até o Fórum Clóvis Beviláqua.
A implantação de uma audiência de custódia só faz sentido se, antes disso, forem otimizadas as condições operacionais do sistema de justiça criminal. Muito mais prejudicial ao réu, por exemplo, é sujeitá-lo a uma espera de meses, recolhido numa carceragem insalubre de delegacia, para uma audiência no processo criminal por causa do número insuficiente de juízes e Promotores. E tanto quanto os direitos individuais do preso, os interesses da sociedade também merecem ser respeitados.