Artigo de coautoria do presidente da ACMP, Lucas Azevedo sobre “Liberdade de expressão dos Membros do Ministério Público” foi destaque na nova edição da Revista Justiça & Cidadania.

Confira a íntegra do artigo.

Artigo originalmente publicado pela Revista Justiça e Cidadania, edição 217, 03 de setembro de 2018

Por  Jarbas Adelino Santos Júnior, Promotor de Justiça de Sergipe, Lucas Felipe Azevedo de Brito, Promotor de Justiça do Ceará e Tarcísio José Sousa Bonfim, Promotor de Justiça do Maranhão

Conforme estabelecido em sua Lei Maior, a República Federativa do Brasil constitui-se como Estado democrático, e apresenta, dentre seus fundamentos, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político (artigo 1o, caput e incisos II, III e V). A mesma Constituição da República aponta, ainda, como objetivos fundamentais do Estado Brasileiro “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (artigo 3o, I).

Na mesma linha dos princípios democráticos que regem o Estado Brasileiro, a Constituição Federal assegura que todos são iguais perante a lei, “sem distinção de qualquer natureza”, garantida, ainda, a inviolabilidade do direito à liberdade (artigo 5o, caput) e prevendo expressamente que “é livre a manifestação do pensamento”. No corpo do artigo 5o, em que proclama garantias fundamentais, o legislador constituinte ainda fez inserir, uma vez mais, que “é inviolável a liberdade de consciência” (artigo 5o, VI).

A Constituição da República prevê ainda, ao tratar da ordem social, que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”, e finalmente, que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (artigo 220, caput e § 1o).

A liberdade de consciência, crença e manifestação de pensamento, a difusão de opiniões e o debate de ideias são, portanto, da essência de um Estado democrático e da nossa ordem constitucional. A esse respeito, assevera Canotilho que “a realização da democracia pressupõe um espaço público aberto, plural e dinâmico, onde haja o livre confronto de ideias, o que só é possível mediante a garantia da liberdade de expressão”, e ainda, que “a liberdade de expressão é um direito que visa a proteger não apenas aos interesses do emissor das manifestações, como também aos da sua própria audiência e da sociedade em geral”.

O exercício de funções públicas impõe aos agentes estatais, dentre outros, os deveres de imparcialidade, moralidade, decoro e zelo pela coisa pública, mas não lhes retira, em qualquer hipótese, a liberdade de cidadãos brasileiros. Mais que isso. É precisamente por exercerem funções públicas que os agentes estatais têm, por vezes, no dever de dar publicidade a seus atos, a obrigação de informar, rendendo ensejo ao debate democrático salutar à promoção da cidadania e construção da sociedade “livre, justa e solidária” que almejamos.

Tendo em vista que nenhum direito fundamental é absoluto, é sabido que não somente aos ocupantes de cargos públicos, mas a todos os cidadãos são impostos parâmetros de temperança no exercício dos direitos, não fugindo a essa regra o exercício da liberdade de expressão e de pensamento pelos membros do Ministério Público.

As manifestações dos agentes públicos, assim, não podem estar sujeitas a qualquer forma de censura prévia, senão, a responsabilidade pessoal ulterior, proporcional aos danos causados. Nesse sentido é o Texto da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, de natureza cogente e supralegal:

Artigo 13 – Liberdade de pensamento e de expressão

1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar:

a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões (…).

A Convenção Interamericana de Direitos Humanos indica, também, que o abuso de controles oficiais a manifestações de pensamento ou difusão de ideias de qualquer pessoa humana – sendo despiciendo referir que aí estão incluídos todos agentes estatais e, dentre estes, os membros do Ministério Público brasileiro – implica violação aos direitos humanos.

Em recente pronunciamento em debate acerca da liberdade de expressão dos membros do Ministério Público, em sessão e na Presidência do Conselho Nacional do Ministério Público, a Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, rememorando os princípios constitucionais aqui invocados, firmou, com exatidão: “Todas as vezes, em qualquer democracia, que se avança no sentido de estabelecer a censura prévia ou a inibição do direito de crítica assumindo que estão ofendidas pessoas que nem se manifestaram, podemos estar em um ambiente que acaba diminuindo o vigor da democracia liberal que este país assumiu e quer ser”.

Na mesma ocasião, na linha do que aqui se defende em relação ao dever dos membros do Ministério Público de dar publicidade a seus atos, prestar informações à sociedade e, assim, fomentar o debate democrático, lançou a Presidente do CNMP: “se há uma instituição neste país preordenada a fazer as imputações, a fazer a crítica, é o Ministério Público”.

A tal conclusão se chega quando se tem em mente que a instituição constitucionalmente destinada à defesa do regime democrático é o Ministério Público (artigo 127, CF), revelando-se, desse modo, o equívoco em se pretender que seus membros sejam tolhidos das liberdades de consciência e de expressão, ou que sejam punidos disciplinarmente, mesmo nos casos em que a lei não prevê expressamente tal responsabilização.

No exercício das funções que lhe são atribuídas, o membro do Ministério Público deve ter assegurada ampla liberdade de expressão, que se faz mesmo necessária ao cumprimento do dever de prestar informações acerca dos serviços públicos por ele prestados, em respeito aos postulados da publicidade, transparência e ao direito à informação, tão caros a uma sociedade democrática.

É preciso, portanto, distinguir a emissão de opinião sobre temas políticos pelo membro do Ministério Público do exercício da atividade político-partidária que, como cediço, possui vedação constitucional expressa (art. 128, § 5o, II, e, CF). A crítica pública direcionada a esta ou aquela agremiação partidária, bem como, a esta ou aquela autoridade pública, através de manifestação individual ou coletiva, nas redes sociais, ou através de textos, artigos ou palestras, não caracterizam necessariamente o vedado exercício da atividade político-partidária.

Em outros termos, o exercício do direito à liberdade de consciência e de expressão por membro do Ministério Público, por si só, desde que não realizado com a finalidade de defesa de ideologia partidária ou de cooptação de votos e não coexistente com um vínculo de agremiação partidária, não constitui atividade político-partidária.

Não havendo distinção de qualquer natureza entre os cidadãos brasileiros, a todos – inclusive, aos membros do Ministério Público – é assegurada a inviolabilidade do direito à liberdade de consciência e manifestação de pensamento, sendo que a violação a qualquer desses direitos representa afronta à dignidade da pessoa humana, à sociedade plural que constituímos e à própria democracia.