Fim do crime hediondo libertará milhares de presos Milhares de presos poderão voltar às ruas, se o Congresso revogar ou o Supremo Tribunal Federal (STF) entender que é inconstitucional o dispositivo da Lei de Crimes Hediondos que impede os autores desse tipo de delito de cumprirem pena em regime semi-aberto ou aberto.

A legislação penal brasileira estabelece que, quando uma lei nova é mais benéfica que a anterior, ela tem efeito retroativo, ou seja, vale para todos os que já estão presos. O Brasil tem 308 mil detentos, de acordo com o Ministério da Justiça. Cerca de um terço deles cumpre pena em São Paulo e, desse total do Estado, um quarto cometeu crime hediondo, segundo estatísticas da Secretaria de Administração Penitenciária. Se o dispositivo não for mais válido, todos os presos que já cumpriram um sexto de suas penas poderão pedir à Justiça progressão para o regime semi-aberto.

“Essa tendência revelada pelo Ministério da Justiça de ser condescendente com os autores de crimes graves preocupa muito o Ministério Público”, afirmou o presidente da Associação do Ministério Público do Rio de Janeiro (Amberj) e ex-presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Marfan Martins Vieira. “Posso adiantar que, se alguma proposta nesse sentido for enviada para o Congresso, o Ministério Público contestará.”

Vieira, além de ser contrário à revogação da lei, defende penas mais severas para todos os crimes. “O tratamento benevolente com o pequeno delinqüente é o que desencadeia a criminalidade. Hoje, só ficam realmente presos os autores de crimes hediondos. Os outros saem em muito pouco tempo graças aos benefícios.”

A progressão para o regime semi-aberto pode ser pedida à Justiça depois do cumprimento de um sexto da pena. Atualmente, os condenados por crimes hediondos só têm direito ao benefício da liberdade condicional, possível depois de cumpridos dois terços da pena.

Com o fim da lei, todos os casos que não tiveram progressão seriam reexaminados pela Justiça, inclusive os de traficantes perigosos como Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. “Preenchidos os requisitos de tempo e de bom comportamento, a progressão é certa. Em tese, até ele pode progredir”, avaliou Vieira. “O juiz decidiria o que é mais adequado para cada caso, se a pessoa poderia ou não progredir.

Não acredito que nenhum deles daria regime semi-aberto para Fernandinho Beira-Mar”, afirmou o criminalista Luiz Flávio Gomes, professor da Universidade do Sul (Unisul), de Santa Catarina, favorável à revogação da lei. Segundo ele, a impossibilidade de os autores de crimes hediondos cumprirem pena em regime semi-aberto ou aberto arrebentou o sistema penitenciário do País e não reduziu a criminalidade.

Desumana – A diretora do documentário Justiça, sobre a rotina do Tribunal de Justiça do Rio, Maria Augusta Ramos, classifica a Lei dos Crimes Hediondos como desumana por manter os detentos em regime integralmente fechado no cumprimento de toda a pena. “O juiz deve poder fixar a pena de acordo com a gravidade do delito e não punir todos tão severamente. A progressão de regime ressociabiliza a pessoa. É melhor integrar o indivíduo aos poucos do que colocá-lo para fora de uma hora para outra.”

O presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo (Ajufesp), José Marcos Lunardelli, diz ser necessária uma revisão da lei, mas defende que os crimes de maior gravidade recebam tratamento severo, sob pena de se estimular a impunidade. “Ao juiz cabe graduar a pena e a legislação deve ser mais inteligente para permitir que ele puna casos distintos de maneiras diferentes.”