Denúncias de espião trazem chefe da Abin a Fortaleza A Abin no Ceará está na berlinda. A repercussão negativa das denúncias do espião Raimundo Alves Ferreira Filho, publicadas em O POVO a partir do último dia 30, fizeram com que Mauro Marcelo de Lima e Silva, diretor-geral da Agência, antecipasse sua vinda a Fortaleza

”Não se modifica a cultura do povo, de uma instituição, do dia pra noite…alguns vícios ainda existem”

As denúncias sobre a suposta participação do agente ”S”, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin/Ceará), no tráfico internacional de drogas e escutas telefônicas clandestinas a políticos, alteraram o roteiro de viagem de Mauro Marcelo de Lima e Silva, 44. Há dois meses como diretor-geral da Abin, Mauro Marcelo vem fazendo viagens sistemáticas aos Estados e cidades onde existe representação da Agência de informação. O escritório em Fortaleza estava na rota das ”inspeções”, mas, devido a gravidade do que foi noticiado pelo O POVO, saltou na lista de prioridades e recebeu visita antes da data prevista.

Sem revelar se vai ou não promover mudanças na Abin/Ceará, Mauro Marcelo informou que alguns coordenadores estaduais já foram substituídos. Motivo? Em alguns casos, a valorização de funcionários da própria casa. Prêmio ao critério técnico. Pelo menos isso é o que diz Mauro Marcelo, sem entrar em detalhes no que é sigiloso. Em outros casos, o comando problemático e viciado serviu de causa. No Pará, por exemplo, a indicação deu-se após ser diagnosticado que o escritório de lá era uma das dores-de-cabeça que Abin nacional não deveria continuar tendo.

Sobre os crimes que o agente ”S” teria cometido no Estado, Mauro Marcelo diz que ”no passado” o comando local da Agência entendeu que não havia materialidade nas denúncias feitas pelo espião Raimundo Alves Ferreira Filho, morto em 2003. Como não houve apuração e o caso não deu em nada, apesar de ser objeto de uma lenta investigação (desde 2000) na Polícia Federal e Procuradoria Geral da República no Ceará (PGR-CE), seria necessário acontecer fatos novos para se reabrir o procedimento administrativo na Abin/Ceará.

Antes de ser entrevistado pelo O POVO, na manhã de ontem, em uma das salas da PGR-CE, Mauro Marcelo conversou com o procurador Oscar Costa Filho, um dos responsáveis pelas investigações do Caso Abin/Ceará. Passou por lá para receber informações sobre o que chegou ao Ministério Público Federal sobre as denúncias envolvendo a Abin no Estado. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

O POVO- Qual o motivo da visita do senhor ao Ceará?

Mauro Marcelo de Lima e Silva- Hoje (ontem) completa-se o segundo mês que estou no comando da Abin. Fui convidado pelo presidente. A minha principal missão nesses dois anos e meio que tenho, em tese, se não tiver problema nenhum… Tenho plena consciência da minha atividade de estado e não de governo. Nem hipoteticamente posso imaginar eventual reeleição do presidente ou renovação de convite. Não penso nisso. Não sou petista, sou apolítico. Sou técnico. Sou delegado de polícia, fui convidado, aceitei o desafio. E a minha principal missão é provar que é possível fazer uma atividade de inteligência em pleno regime democrático, em pleno funcionamento institucional que vivemos no País. Desmitificar a atividade de inteligência. Até o Vaticano tem um serviço de inteligência. O País não pode prescindir de um serviço de inteligência. Acontece que nós temos missão. O foco da Abin é como se fosse o Norte de uma bússola. Eu preciso saber qual é a missão. O serviço de inteligência em Israel tem um foco 100% palestino. O foco da atividade de inteligência norte-americana hoje é exclusivamente o terrorismo. Cada país tem o seu foco. Na Coréia do Sul, o foco é a Coréia do Norte. E o Brasil? O Brasil é um grande problema. Porque não temos bem delineada uma definição de qual é o foco aqui. Isso se perdeu. Na época da repressão, tínhamos o foco do inimigo interno, que era o povo. A época da ditadura, os desmandos, abusos, violência, arbitrariedade que foram praticadas no passado. Isso é fato, os senhores sabem melhor que eu. O grande problema hoje é descobrir o foco. A Abin trabalha basicamente em duas vertentes: Inteligência e Contra-inteligência. Na Inteligência, buscamos a oportunidade. Coletamos fatos, informações, e produzimos conhecimento, que vai nas mãos do presidente na forma de planejamento de cenário. Isso principalmente na busca de oportunidades. E na Contra-inteligência, no chavão da proteção das instituições nacionais, proteção da sociedade e do estado democrático de direito.

OP- O senhor traçou aí um paralelo com o SNI (Serviço Nacional de Informações). O que ainda tem de vício do SNI na atual Abin?

Mauro Marcelo- Não se modifica a cultura do povo, de uma instituição, do dia pra noite. É evidente que alguns vícios ainda existem. Em algumas reuniões, só faltava o pessoal bater continência. Quebrei o gelo lá com todo mundo. Hoje estamos comandando, eu e a nova diretoria – modifiquei 80% dos cargos de direção – estamos trabalhando muito mais como se fosse um colegiado. Nada é feito na Abin sem passar na mesa do diretor. Chamei a responsabilidade de que tudo que a Abin faça passe na minha mesa. Em tese, a Abin só pratica qualquer tipo de ato, qualquer operação, com ciência do diretor.

OP- A Abin nacional?

Mauro Marcelo- Toda. O País inteiro. O pior cenário, pra mim, é aquela história do funcionário autorizado com conduta não autorizada. Isso a gente não vai encontrar só na Abin. Vai achar na Polícia Civil, Polícia Federal, Ministério Público, Poder Judiciário, até na imprensa. É sempre um cenário ruim. Mas estou chamando a responsabilidade. Nada se faz na Abin sem a ciência de seu diretor. Existem alguns vícios, mas se a gente pegar o que existe de SNI ainda, se a gente separar a Abin entre o que é SNI e o que não é SNI, eu vou ter o pessoal de oito anos pra cá, só. Porque o primeiro concurso que foi feito pra gente começar a reformular foi oito anos atrás. Esses dias um jornalista me perguntou: ”O senhor modificou 80% do pessoal, mas esse pessoal que está ao lado do senhor não é do SNI?’. Eu tenho excelentes funcionários lá que têm 30 anos de atividade de inteligência. Então, ele vem do período do SNI. Não é militar, não tem nenhum militar no comando, mas ele vem um pouco daquela época. Só se eu montasse a agência apenas com funcionários de oito anos de serviço. Eu não posso nem administrativamente pegar uma pessoa que acabou de sair concursado e colocar num cargo de confiança, ali na diretoria. Então o que eu fiz? Tem muita gente aposentada, que estava ocupando cargos que seriam de funcionários, eu estou prestigiando os funcionários. Numa dúvida entre um funcionário de carreira e um funcionário aposentado ou um militar aposentado que está ocupando o cargo, estou prestigiando o funcionário de carreira. Não consigo modificar do dia pra noite. Estou só com dois meses de comando.

OP- Nesse caso específico do Ceará…

Mauro Marcelo- Um pouquinho antes de entrar no caso do Ceará: tenho 1.800 funcionários, 12 agências e 17 escritórios. Eu tenho toda semana, desde que assumi, visitado uma agência ou escritório. Eu não vim ainda aqui para o Ceará. Só falta Fortaleza, Recife, Goiânia e São Paulo. São os únicos quatro que faltam para eu visitar. Por isso que não estive aqui antes.

OP- Antes da sua visita ao escritório da Abin/CE, o senhor veio à Procuradoria da República conhecer mais detalhes sobre o caso do agente ”S”. O que o senhor sabe sobre esse caso?

Mauro Marcelo- (Silêncio) Eu queria perguntar por que o jornal até hoje não identificou o ”S”?

OP- Porque ainda não houve uma denúncia do Ministério Público formalizada, o inquérito foi iniciado como um procedimento administrativo, ainda está em andamento e ninguém, dos acusados, foi chamado formalmente para depoimento, além do próprio informante (Raimundo Alves Ferreira Filho, conhecido como ”Billy”) que morreu. Mauro Marcelo- Mas o jornal não estaria com medo de nominar o funcionário…

OP- Não. É porque não existe uma denúncia formal (do Ministério Público à Justiça ou a conclusão do inquérito pela Polícia Federal).

Mauro Marcelo- Mas é posição pessoal ou do jornal?

OP- É procedimento comum do jornal. Ele (agente S) ainda é, em tese, uma pessoa inocente.

Mauro Marcelo- Estou até surpreso, porque O POVO está com uma conduta exemplar, coisa que não acontece em outros jornais.

OP- Esse procedimento, o jornal já adota há bastante tempo. Mas, nesse caso, temos documento de tudo que foi publicado. Procuramos várias pessoas para essa matéria. Até ser publicada, foi pelo menos um mês de apuração. Mas, voltando, gostaríamos de saber o que o senhor sabe do caso?

Mauro Marcelo- Eu tô acompanhando. É evidente que o fato chegou ao meu conhecimento. Mas nós temos alguns problemas. É um caso antigo, que está dando repercussão pelo jornal agora. Nem me lembro se na época chegou a ter alguma repercussão…

OP- Não, é a primeira vez. Oscar Costa Filho – (O procurador assistiu a toda a entrevista, após ter conversado reservadamente com o diretor-geral da Abin, na sala de reunião da Procuradoria) Publicamente, não.

Mauro Marcelo – Mas na época, essa situação que envolvia esse problema entre o funcionário e essa fonte (o informante Billy), ele foi objeto de uma avaliação pelo (setor) jurídico da Abin. E eles entenderam que não havia motivos para instaurar uma sindicância para apurar, porque os fatos ali partiam de uma denúncia formulada por uma pessoa, mas essa denúncia não tinha consistência. Por isso, naquela época, naquele ano, naquele dado momento que aconteceu o fato, não foi instaurada sindicância.

OP – Foi sobrestado?

Mauro Marcelo – Não. Foi feita uma apuração preliminar, antes da sindicância. Nós temos uma apuração preliminar, tem a sindicância e tem o processo administrativo. Essa apuração preliminar não achou motivos suficientes para instaurar sindicância. Eu não posso questionar. É a visão da época, foi o que foi decidido. Aliás, quem olha muito no retrovisor, tromba no futuro. O fato veio a público agora, já na minha gestão. Eu não posso reabrir aquela apuração ou instaurar uma nova sindicância, sendo que já tem uma manifestação anterior, se eu não tiver fatos novos. O que está sendo analisado agora é se tem algum fato novo que possa servir de motivo para a gente instaurar uma sindicância aqui ou um processo administrativo lá, que seria o procedimento. Não existe fato novo. Isso não quer dizer que a Abin não instaura. Eu tô com várias sindicâncias aí por coisas muito mais simples.

OP – E o fato dessas suposições estarem sendo objeto de inquérito na Polícia Federal, de investigação na Procuradoria Geral da República? Isso não é o suficiente para reabrir. É desde 2000. Há uma vasta documentação nessas duas instâncias. Isso não é o suficiente?

Mauro Marcelo – Mas eu não tenho provas. Tráfico de entorpecentes, não tenho nenhuma materialidade. Eu tenho uma pessoa, que acabou falecendo numa circunstância… O inquérito já foi concluído, do suicídio dele (Billy)? Oscar Costa Filho – Não, não.

Mauro Marcelo – Tá em andamento. Caso envolvendo contrabando, que é citado aí, eu não tenho poder de polícia judiciária (Polícia Civil). Nossos ”policiais” não podem andar armados. Nossos ”policiais” não tem poder… (risos) Ato falho aí. Os nossos agentes, nossos analistas da Abin não podem andar armados. Não podem fazer investigação. Grampo de telefone, foi apreendida alguma fita, tem alguma conversa dele gravada? Então não existe materialidade. Se eu tivesse um pouco de droga apreendida em algum lugar.

OP – Os agentes não podem fazer investigação em torno desse caso?

Mauro Marcelo – Nós, lá dentro da Abin? Nós não fazemos investigação.

OP – Nem como levantamento de informação?

Mauro Marcelo – Não, nós podemos fazer sindicância, como fazemos. Nós não fazemos investigação policial.

OP – Mas, nesse caso, não é procedimento de informação fazer um levantamento disso que está saindo no jornal, sobre os fatos que envolvem esse agente?

Mauro Marcelo- Foi feito na época e se chegou à conclusão de que não era necessário se instaurar nem sindicância, porque não havia fatos. No passado.

OP- Então, essas acusações que O POVO está trabalhando agora, referentes ao passado, documentadas, de escuta clandestina, tráfico de droga, lavagem de dinheiro, pelo menos essas que pesam contra o agente ”S”, não vão ser reabertas?

Mauro Marcelo- Não, porque já foram apreciadas no passado. Se aparecer algum fato novo, de repente aparece um grampo de telefone ou uma fita com a voz das pessoas. Ou aparece droga, ou um extrato bancário dizendo que ele tem conta no Exterior, aí é diferente.

OP- Mas o inquérito ainda está aberto…

Mauro Marcelo- São instâncias diferentes. Eu posso instaurar uma sindicância sem ter inquérito nenhum. Posso punir, posso instaurar processo administrativo, posso demitir um funcionário sem instauração de inquérito. Pode ter um inquérito e não ter a sindicância. Não necessariamente o fato de ter um inquérito indique que tenha que ter uma sindicância. O inquérito está lá para apurar. Vamos supor que ao final do inquérito ele seja indiciado, denunciado, aí sim, basta o procurador encaminhar uma cópia da denúncia. Aí imediatamente nós instauramos sindicância, processo administrativo, para ver que tipo de pena no ambiente administrativo pode ser dada.

OP- Temos informações que esse agente estaria ocupando cargo de chefia. De alguma forma, cria-se uma suspeição, oficial ou não na Abin, mas cria-se.

Mauro Marcelo- Não era para eu estar hoje aqui. Não era minha programação vir hoje (ontem).

OP- O senhor antecipou?

Mauro Marcelo- Antecipei, por causa desse caso, evidente.

OP- Então como vai ser tratado o caso?

Mauro Marcelo- Vou chegar na agência à tarde para saber.

OP – De surpresa? O pessoal tá sabendo?

Mauro Marcelo – Não, eles estão sabendo.

OP – O senhor tem informações do escritório da Abin/Ceará? Quem trabalha e se é uma agência viciada?

Mauro Marcelo – Não tenho grandes problemas, não. Em relação a produção?

OP – Produção, procedimentos éticos… transparência…

Mauro Marcelo – Eu tenho outras agências com mais problemas.

OP – Quais?

Mauro Marcelo – O Pará, por exemplo. Tô com problema lá. Tô mudando tudo.

OP – Que tipo de problema? Mauro Marcelo – Tem alguns problemas em andamento lá.

OP – Mas que tipos de problema? O senhor pode dizer?

Mauro Marcelo – (Silêncio) São problemas… internos, lá, que estão sendo apurados através de sindicâncias e processos administrativos.

OP – Qual é a demanda da Abin hoje no Ceará? Que tipo de relatório é produzido aqui?

Mauro Marcelo – Como vocês sabem, eu tenho 80% da nossa atividade na coleta de informação com fontes abertas. E 20% nós vamos buscar informação negada. E a lei nos permite trabalhar inclusive de maneira sigilosa. Está previsto em lei. Trabalhamos nessas duas vertentes, informação e contra-informação.

OP – Qual a ligação que a Abin/Ceará tem com o governo do Estado? Com a Casa Militar, Polícia Militar?

Mauro Marcelo – A Abin é o órgão central do Sisbin, Sistema Brasileiro de Inteligência. A lei que cria o Sisbin é a mesma que cria a Abin (lei 9.883, de 7 de dezembro de 1999). A Abin é mencionada no artigo 3º dessa lei. Quando o legislador criou essa lei, deu mais importância ao Sisbin do que à própria Abin. Como órgão central do Sisbin, é como se fosse uma roseta. A Abin é o órgão central do sistema. Aí tenho o Exército, Marinha, Aeronáutica, Receita Federal, Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e diversos outros órgãos que integram todo o Sistema Brasileiro de Inteligência. Não existe ascendência hierárquica, mas por lei a Abin coordena todo esse sistema. O que nós temos feito, para implementar o Sisbin, é contato com a Secretaria da Segurança Pública nos Estados para criar uma agenda positiva e de encontros para saber o que a Secretaria da Segurança precisa da Abin e o que a Abin precisa da Secretaria da Segurança. E assim aumentar a capilaridade do serviço. Nós temos feito isso em todos os Estados. Eu deveria me encontrar com toda a cúpula da Secretaria da Segurança Pública daqui, mas como me antecipei para resolver um problema, então isso vai ficar para uma segunda etapa.

OP – Há especulações de que a Abin, durante muito tempo, teria sido usada como braço da Casa Militar do Governo do Estado. Isso tem alguma veracidade? Nesses dois meses de sua gestão, o senhor tem essas informações daqui?

Mauro Marcelo – Hummmmm… Eu vou conhecer a agência agora. Não poderia antecipar eventuais situações.

OP – Por onde o senhor passou…

Mauro Marcelo – Já fiz várias mudanças.

OP – Por onde o senhor passou, essa ligação que existe entre a Abin e as secretarias da segurança não acaba se tornando viciadas e…

Mauro Marcelo – Não. É o mesmo acordo que fizemos com o Ministério Público no País inteiro, acordo assinado no ano passado. O que estamos fazendo é até bom. Vamos transformar em oficial a informalidade. Hoje, no País inteiro, a Abin conversa com as secretarias da segurança pública, só que conversa informalmente. Não tem nada por escrito. Amanhã eu não sou mais o diretor, o secretário não é mais o secretário, então acaba a informalidade? Nós vamos é formalizar, através de um convênio, e tornar oficial o que era só informal.

OP – O senhor admite, nesse seu período de dois meses, já ter encontrado a Abin trabalhando em investigações particulares ou de interesse menor que o interesse estratégico a que o órgão se propõe?

Mauro Marcelo – Eu poderia dizer que algumas irregularidades estão sendo sanadas com a instauração de processos administrativos, com a mudança de pessoal. Mudei 80% do comando. Estou mudando lá em cima. Mudei meu diretor-adjunto. A gente está começando a mudar.

OP – Esse caso denunciado pelo O POVO é um que entraria nessa sua lista de problemas a serem resolvidos?

Mauro Marcelo – (Risos) Eu não posso antecipar fatos antes de conversar com o pessoal daqui.

OP – Quantos coordenadores o senhor já mudou nos estados?

Mauro Marcelo – Eu posso até falar, mas é uma informação que eu não queria que se tornasse pública, porque tem alguns em vias de… e alguns que não foram comunicados ainda. De repente, se sai amanhã no jornal, ”o delegado vai mudar oito agências”, você imagina o transtorno que o jornal O POVO vai me causar. Algumas mudanças deverão ocorrer. Estou falando no País.

OP – Que critérios o senhor está utilizando?

Mauro Marcelo – O critério é prestigiar funcionário de carreira e a missão que o presidente me deu. Ele não estava contente com a agência. Ele queria uma Abin mais rápida e mais confiável, que antecipasse os fatos à decisão governamental. Estava com esse problema, então nós demos esse choque.

OP – O senhor que definir esse novo cenário até quando?

Mauro Marcelo – Eu tenho um espaço de tempo muito curto para assimilar uma grande quantidade de informações. Tenho que fazer um relatório situacional para o presidente de como encontrei a Abin, aonde quero chegar e o que preciso para chegar a isso. Estamos com os projetos ”Abin+5” e ”Abin+15”. Seria uma previsão de Abin daqui a cinco anos e daqui a 15 anos.

OP – Esse é seu projeto, mesmo trabalhando com o período de seu mandato em dois anos e meio (tempo aproximado para o fim deste mandato de Lula)?

Mauro Marcelo – É, a gente trabalha com cenário prospectivo, mas têm algumas situações pontuais que eu quero fazer nesses dois anos e meio.

OP – O presidente deu carta branca para qualquer mudança estrutural?

Mauro Marcelo – Eu tenho carta branca. Nesses dois meses, todas as mudanças que eu fiz até agora, ninguém me questionou.

OP – Há alguma ingerência política para nomeação na Abin?

Mauro Marcelo – (Enfático) Absolutamente. Todas as mudanças são de responsabilidade minha.

OP – O que o senhor detectou antes, havia diferença? Mauro Marcelo – Eu não posso me manifestar sobre problemas anteriores porque pode…

OP – Na revista IstoÉ (edição 1816, de 28 de julho último), o senhor citou, em entrevista, a ex-diretora. O episódio de quando ela assumiu e o general Alberto Cardoso (ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência) falou que ela não daria entrevista durante todo o período da gestão. E ela não falou com a imprensa durante oito anos.

Mauro Marcelo – Sem criticá-la, a posição minha é completamente diferente. Eu quero é levantar esse manto do secretismo. Eu fiz até um gráfico aqui (tira o laptop de sua bolsa e exibe o gráfico no monitor). O que detectei é que existe um preconceito muito grande com a atividade de inteligência, não só no Brasil mas em vários países, por causa de desmandos no passado. A idéia é desmitificar. O senso comum do povão é pautado por filme hollywoodiano, literatura ficcional. Todo mundo pensa que somos agente secreto, James Bond, carros bonitos, mulheres bonitas. Não é assim. A Abin é pobre. Temos problemas de recursos. Estamos tentando melhorar nosso parque tecnológico, temos carência de funcionários. Somos 1.800 funcionários.

OP – Esse concurso que a Abin abriu oferece quantas vagas?

Mauro Marcelo – 220. Mas nós temos 2 mil vagas em aberto. Se eu pudesse, faria concurso para 2 mil novos agentes. Mas a lei não permite. Tenho que fazer só 200 por ano. A carência da Abin é de 2 mil funcionários.

OP – O senhor falou dessa imagem hollywoodiana, mas o governo passou por episódios interessantes neste ano. A questão da Kroll, o governo deve ter tirado lições a respeito. Nesse caso, o que houve de mudança de parâmetro?

Mauro Marcelo – Nós estamos trabalhando um grupo de estudo dentro da Abin para propor um projeto de lei de controle da atividade de inteligência empresarial. Assim como a Polícia Federal controla a segurança privada, a Abin quer controlar a inteligência competitiva. Hoje, o que está acontecendo é um grande problema de espionagem industrial. Saiu uma reportagem minha, nesse fim de semana, na IstoÉ/Dinheiro.

OP – Os jornais anunciam, diariamente, detetives oferecendo serviço de espionagem industrial de uma forma muito ostensiva. Isso vai ser uma atividade controlada pela Abin?

Mauro Marcelo – Nossa idéia é controlar.

OP – De que forma?

Mauro Marcelo – É só ter uma lei que atribua a Abin a competência de fazer esse controle da investigação corporativa. O que mais irrita o pessoal da Abin são pessoas da iniciativa privada dando palestras de proteção do conhecimento sensível, que é o carro-chefe nosso. É o PNPC, o Plano Nacional de Proteção ao Conhecimento. Ex-antigos agentes do SNI… porque quando acabou a Guerra Fria, o mundo estava naquele processo de globalização, esses espiões não tinham mais o que fazer. Aí eles viram nesse filão da globalização a idéia de fazer espionagem competitiva. Isso se espalhou no mundo inteiro.

OP – A escuta clandestina é crime. Isso é oferecido publicamente e não acontece nada com esses criminosos.

Mauro Marcelo – Eles costumam falar ”fazemos varredura antigrampo”. Um empresário quer alguém para saber se está grampeado. Eles usam como fachada o antigrampo, mas na verdade eles é que fazem o grampo.

(Nota da Redação: Neste momento da entrevista, o diretor da Abin mostra no seu laptop o gráfico ”Curva da Eficiência da Inteligência”, com curva de nível da variação de eficiência e ineficiência cortada por mais ou menos sigilo nas atividades do órgão).

Mauro Marcelo – Esse é o gráfico que eu queria mostrar. A partir do momento que vou dando mais ou menos sigilo a atividade de inteligência, vou parar num tipo de serviço ineficiente. É aqui que mora o SNI, as arbitrariedades, os abusos. A partir do momento que vou dando menos sigilo e mais transparência, se eu der transparência total à atividade de inteligência, vou ter um serviço ineficiente também. O que é que pode ter sigilo? De repente, o Brasil descobre uma maneira de enriquecer urânio que ninguém pode saber. É um negócio que não posso publicar na Internet. Como o Brasil vai agir no caso de uma guerra? Não pode se tornar público. Tem um monte de informação que precisamos manter o sigilo nela.

OP – O seu método de trabalho, com base nessa transparência que o senhor fala, como isso foi recebido nessa estrutura antiga da Abin?

Mauro Marcelo – Tem muita gente que ficou preocupada. Não tenho dados ainda, mas existe uma pesquisa interna sendo feita, para saber a repercussão dentro dos meus 1.800 funcionários, o que eles estão achando. Informalmente, eu tô contando com um maciço apoio, mas eu quero números.

OP – Mas o senhor falou que o pessoal só faltou lhe bater continência, no início? Eles não tendem a continuar concordando?

Mauro Marcelo – Todo dia eu faço uma reunião com a cúpula na Abin. A primeira reunião que fiz, eu falei, falei, falei, e o todo mundo ”sim, sim, sim”. Na segunda, todo mundo ”sim, sim, sim”. Na terceira, ”não, tudo bem”. Eu falei, ôpa, peraí, será que estou falando alguma besteira? Não posso estar certo 100% do tempo. Eu quero ser questionado. A maior briga na reunião foi essa. Eles não tinham essa cultura. Existe o temor reverencial à figura do diretor, chefe do serviço secreto brasileiro. Estou sentando na cadeira que foi do general Figueiredo (João Batista Figueiredo, último presidente do regime militar, de 1979 a 1985), do general Medeiros (Otávio de Medeiros, chefe do SNI do governo Figueiredo), do Golbery (do Couto e Silva, considerado o principal estrategista do anos de ditadura militar no País). Então falei, eu quero é ser questionado. E já começou a mudar. Na outra reunião eu já fui questionado. Eu tenho a experiência de 18 anos na atividade policial. Trabalhei muito tempo na área de informações, mas a minha visão é mais no prisma policial. E agora estou numa visão estratégica. Estou me policiando para não dar uma visão policialesca à minha atividade. Se bem que grandes temas envolvem crimes transnacionais, terrorismo, grupos criminosos aqui no Brasil.

OP – Há uma revelação feita ao O POVO pelo informante Billy, antes de morrer, de que a Abin/Ceará teria participado – agentes ou a estrutura do escritório local – da invasão na casa da ex-governadora do Maranhão, Roseana Sarney, na apreensão de uma grande quantidade de dinheiro que gerou aquela polêmica quando ela era pré-candidata à Presidência da República. Isso foi verdade? O senhor soube de alguma coisa a respeito?

Mauro Marcelo – Não sei, mas eu acredito que não.

OP – Tinha ouvido falar?

Mauro Marcelo – Não. Mas acredito que não, porque diversas operações da Polícia Federal, a Abin participa. Mas não na parte operacional. Os nossos agentes não andam armados. Não têm competência para andar armados. A não ser que ele tenha um porte de arma particular legalmente. Eles vão poder agora. De acordo com a nova lei, o diretor vai poder dar porte de arma para os funcionários. Não é para todo mundo. Se bem que a prerrogativa é quase que inerente a todos os funcionários. Há prerrogativa, sim, mas vou ter um número limitado de arma, que terá o nome da Abin. Eles vão ter que fazer curso. Não são todos que vão andar armados. Talvez todos vão ter a prerrogativa de andar com a arma funcional, mas não terei arma suficiente e nem precisa. Serão casos específicos.

OP – Quantos funcionários tem a Abi n/Ceará?

Mauro Marcelo – O número exato, não lembro agora. Acho que entre 30 e 40.

OP – Que informações o senhor tem, que possa falar publicamente, sobre o escritório da Abin/Ceará?

Mauro Marcelo – É um dos 12 que tenho, que está com um problema aí, que é anterior à minha chegada, cuja repercussão está dando agora. É um problema que já foi administrativamente submetido ao crivo da diretoria e do jurídico anterior. Que entenderam que não era o momento de instaurar sindicância. Porque não havia nenhum fato concreto. A não ser que surja um fato novo, uma denúncia do Ministério Público, um eventual resultado de investigação da Polícia Federal. Se surgir um fato novo, tenho elemento para instaurar sindicância.

OP – O senhor sabe que contribuição esse rapaz que morreu, o Raimundo Alves Ferreira Filho (Billy) deu à Abin daqui, como informante?

Mauro Marcelo – Eu não uso o termo informante. Trabalhamos com fontes, como vocês trabalham. É tudo muito compartimentado. Se ele era ou não fonte do funcionário, é o funcionário que tem que explicar isso.

OP – Existe um cadastro dessas fontes na Abin?

Mauro Marcelo – A Abin não faz um cadastro por pessoa. Faz por assunto.