Investigação sob suspeita As conclusões do Inquérito Policial-Militar que investigou a suposta queima de arquivos sigilosos, produzidos por órgãos de informação durante a ditadura militar, na Base Aérea de Salvador, foram questionadas por especialistas em investigações policiais. O IPM concluiu, com base em perícia feita pela Polícia Federal da Bahia, que não houve incineração de papéis no terreno da Base Aérea, como denunciara reportagem do “Fantástico”, da Rede Globo, em 12 de dezembro de 2004. Comparando as fotos feitas pela perícia da PF e as imagens dos documentos incinerados exibidas pela Globo, o perito Nelson Massini, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), afirmou que o local foi adulterado e que isso comprometeu o resultado da perícia. As conclusões de Massini foram divulgadas ontem pelo “Fantástico”.

— O local investigado pelos peritos da Polícia Federal foi modificado em algum momento entre a filmagem e a perícia — diz Massini.

Imagens diferentes levantam suspeitas Nas fotos feitas pelo Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, e que serviram de base para a perícia, aparecem dois objetos, um galão de plástico e uma tábua, que não estavam nas imagens originais, exibidas pela TV. A perícia da PF afirma que esses objetos não estavam retorcidos nem apresentavam vestígios da ação do fogo e que, por isso, “os documentos foram lançados naquela posição após terem sido submetidos ao fogo noutra localidade”. Para Massini, essa diferença compromete o resultado do laudo da PF:

— O acréscimo desse material leva a uma conclusão de que não houve queima porque ele está íntegro.

O IPM, aberto pelo comandante da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, depois da exibição da reportagem do “Fantástico”, concluiu que “nenhuma autoridade militar tem responsabilidade no episódio.” Segundo o IPM, o único delito militar no caso foi praticado pela pessoa, não identificada, que fez a filmagem dos documentos incinerados dentro da Base Aérea.

O laudo da PF também afirma que as marcas de fuligem numa rampa que existe no local não são recentes e a presença de vegetação também indicam que não houve queima no local. Mas o botânico e professor da Uerj, Roberto Lourenço Esteves, afirma que a vegetação poderia se recompor em um mês ou um mês e meio, inclusive estimulada pelo calor da queima.

IPM não encerra as investigações As fotos do laudo da PF foram mostradas à equipe do “Fantástico” pela promotora do Ministério Público Militar Teresa Cristina Leal Baraúna, que acompanhou as investigações. A promotora afirma que as investigações vão continuar, independente da conclusão do IPM.

— O Ministério Público já encaminhou várias diligências a diversos órgãos com o fim de apurar esses fatos — diz Teresa Cristina.

O inquérito da Aeronáutica reafirma que todos os documentos do período militar que estavam arquivados na base aérea foram retirados pelo Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (Cisa) em 1987. Segundo a promotora, o destino dos documentos também está sendo investigado. O IPM não informa para onde foram levados.

Na conclusão do IPM, aparecem ainda fotos de um outro lote de documentos, cuja descoberta foi anunciada pelo comandante da Aeronáutica no dia seguinte à exibição da reportagem do “Fantástico”. As fotos mostram papéis em bom estado de conservação, “ressecados, lisos e sem vestígios de ação do fogo”, numa área a 60 metros de onde foram feitas as imagens da incineração.

O vice-presidente José Alencar, ministro da Defesa, disse ao “Fantástico” que se o Ministério Público achar necessário, novas perícias podem ser feitas na Base Aérea de Salvador. O Centro de Comunicação Social da Aeronáutica divulgou uma nota afirmando que o comandante Luiz Carlos Bueno determinou “o isolamento total da área supostamente utilizada para a queima dos papéis, o que garantiu sua integridade, a partir da noite de 12 de dezembro de 2004, a fim de permitir a realização de perícia técnica.” A nota diz ainda que o comando da Aeronáutica permanece à disposição do Ministério Público Militar “a fim de atender prontamente a todas as solicitações que vierem a ser feitas.”

O “Fantástico” mostrou as imagens ao secretário Nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, ao presidente do PT, José Genoino, e ao líder do PFL na Câmara, José Carlos Aleluia. Nilmário afirmou que vai solicitar as imagens da TV, requisitar o IPM e submetê-los a um perito de sua confiança: — Se há dúvidas nós vamos investigar.

Para Genoino, compete ao MP reabrir a investigação, pedir nova perícia e esclarecer toda a verdade. Para Aleluia, há indicação de que houve reconstrução do cenário:

— Há alterações que não se conseguem com o tempo, pode ser a ação deliberada ou não de pessoas. Nesse caso, tem que ser feita a investigação da investigação.