Poucas chances de uma vida digna

As conseqüências da exploração comercial de crianças e adolescentes são mais devastadoras do que se imagina. Não ficam restritas às perdas do presente – da infância, do tempo para brincar, do tempo de ir para a escola – acompanham a criança a vida inteira. Ao mesmo tempo, quanto menos idade tem um menino em situação de trabalho infantil urbano ou mendicância, mais comoção provoca. Sentimento que acaba sendo revertido em mais dinheiro de doações e muito mais compras de produtos. O futuro, entretanto, não é assim tão amigável. Quanto mais cedo as crianças começam a trabalhar, menores suas chances de ter uma renda alta quando adultos. O trabalho infantil condena os indivíduos a permanecerem em um circulo vicioso. A vida na rua leva à evasão escolar, à má qualificação profissional, ao baixo rendimento, ao desemprego ou à marginalidade. Tudo somado leva a uma vida de incertezas e dúvidas paralisantes.

Mais de seis anos de trabalho, jornada diária entre quatro e oito horas, empurrando um carro improvisado da sucata de geladeira que leva o produto catado nas ruas. É esse um resumo das vidas de F.S. P. L, 12 anos, e F.C. P. L, 14, residentes na Praia do Futuro.

O salário é incerto, oscila entre R$ 10 a 20,00 diários, dependendo de quantos quilos do lixo coletado é comercializado. E pode ser também “gordura”, a banha da carne bovina que frita acompanha o feijão e arroz de cada dia da família composta por mãe, padrasto e sete filhos.

Longe de ser uma exceção, a história de F.S. e F.C, que já passaram quase metade de suas vidas trabalhando, é a regra para os meninos em situação de exploração comercial. E o pior é que, afirma a auditora fiscal da Delegacia Regional do Trabalho (DRT), Elizabeth Alice Barbosa de Araújo, dificilmente essas crianças conseguirão reverter o estado de miséria em que se encontram.

A análise não é apenas uma visão pessimista da situação. Ela toma como base o trabalho realizado pela DRT e demais entidades envolvidas no combate ao trabalho infantil no Estado e, principalmente, da pesquisa divulgada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), no ano passado.

O estudo mostra que no Brasil, a renda da pessoa está diretamente relacionada à idade e à faixa de início de trabalho. Quanto mais idade a pessoa tem e quanto mais tarde ela começou a trabalhar, maior a renda.

A pesquisa mostra ainda que a pessoa terá entre 35% e 85% a mais de renda se não trabalhou enquanto criança, iniciando o trabalho respectivamente após nove anos e após os 18. Ou seja, quanto mais cedo uma pessoa começa a trabalhar, menor será, em média, sua renda por toda sua vida.

Na verdade, explica Elizabeth, o trabalho infantil acaba condenando o indivíduo a permanecer em um circulo vicioso: trabalho infantil, baixa escolaridade, baixo rendimento. Afirmação compartilhada pela assessora de Advocacia e Mobilização da Associação Curumins, Márcia Cristine Pereira de Oliveira.

Para ela, uma criança forçada a trabalhar, sem chance de se formar e informar, será, certamente, um adulto desempregado ou subempregado no futuro – e, possivelmente, seus filhos repetirão suas histórias.

Exatamente o que já vem acontecendo com F.S. e F.C. Os meninos repetem o histórico dos pais, residentes na comunidade dos Cocos, na Praia do Futuro. Antônio e Maria José são alfabetos. Ela faz limpeza em casas particulares e recebe menos de um salário mínimo mensal.

Antônio começou a trabalhar cedo em subempregos, e hoje, com 35 anos, entrega mercadorias para as mercearias e frigoríficos do bairro. Por isso, o pagamento do material coletado para reciclagem também ser feito em “gordura”.

F.S. e F.C estudam. O de 12 anos, cursa a 3ª série, o de 14, a 6ª série do Ensino Fundamental. Os dois estão fora da faixa escolar.

Erilene Firmino