Artigo: Violência banalizada

Em artigo publicado pelo jornal O POVO nesta terça-feira (6), a promotora de Justiça Ana Cláudia de Morais fala das responsabilidades no combate aos maus-tratos contra crianças e adolescentes. Confira.

Falar em maus tratos e violência contra crianças e adolescentes nos dias atuais virou, infelizmente, coisa corriqueira. Banal até. Os exemplos da menina Isabela, assassinada brutalmente em São Paulo; a morte em Jardim/CE de uma criança de quatro anos após ter sido violentada em um parque de diversões; ou a criança de oito anos encontrada em Itapipoca/CE boiando em um rio são mais comuns do que se pensa.

O mais grave é que, apesar de esse tipo de violência acontecer tanto fora como dentro de casa, estatísticas oficiais apontam que 73% dos crimes contra crianças e adolescentes são cometidos no âmbito familiar ou por pessoas próximas à vítima, dificultando o encaminhamento de denúncias aos órgãos competentes. Em seu art. 13, o ECA fala exatamente da obrigatoriedade em se comunicar ao Conselho Tutelar os casos de suspeita ou confirmação de maus tratos contra crianças ou adolescentes, que podem ser de natureza física, como os espancamentos; psíquica, a exemplo do abandono, o abuso e a exploração sexual.

No Juizado da Infância e Juventude, somente no ano de 2008, ingressaram 298 procedimentos administrativos em favor de crianças e adolescentes, sendo que 20 por agressão física, quatro por abuso sexual, 35 por abandonos oriundos do núcleo de enfrentamento e os demais por encaminhamento dos Conselhos Tutelares, geralmente por denúncias de populares.

Essas crianças ou adolescentes são abrigados em locais credenciados pelo Juizado. O número hoje chega a 517. A partir daí, tenta-se o reingresso dessas pessoas à família de origem. Não sendo possível o retorno ao lar, o Ministério Público ou a parte interessada ingressa com a competente Ação de Destituição do Poder Familiar.

Mas quantas mulheres carregando os filhos nos braços, praticando a mendicância, encontramos nos sinais de trânsito de nossas ruas e avenidas? Tal conduta é também uma forma de violência contra crianças ou adolescentes, mediante o abandono e o trabalho forçado. Não se pode esquecer, ainda, a inexistência de políticas públicas que favoreçam o combate a esse tipo de conduta, até porque a falta de emprego, de moradia e até do que comer, além da própria desestruturação familiar, pode gerar esse tipo de violência.

O combate à violência contra a criança e o adolescente é, portanto, uma tarefa de todos. Quem souber de casos em que crianças ou adolescentes foram ou estão sendo vítimas de maus tratos deve denunciar ao Conselho Tutelar, Ministério Público, Núcleo de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes ou à Dececa (Delegacia de Combate aos Crimes de Exploração da Criança e do Adolescente). A denúncia pode ser anônima e a identidade da pessoa é preservada. Todos temos que ter mente: contra esse tipo de abuso não é possível calar. Denuncie. Não deixe que crianças e adolescentes continuem a ser vítimas de maus tratos por este pais afora.